CAPÍTULO 03

A TORMENTA MISTÍCA

 

 Uma semana havia passado desde o incidente com os Zubats e Golbats, o assunto que tanto se desgastou pelos dias, aos poucos foi sendo esquecido, como um sonho ruim, que havia acontecido de forma coletiva. Os grãos tiveram a sorte de vingar novamente no solo e estavam demonstrando que iriam crescer fortemente, sendo assim, o ataque não havia passado de um breve susto, sem muitos problemas para a colheita ou o armazenamento do trigo, no qual todos estavam começando a fazer o esforço de esquecer, mesmo aqueles que se feriram, já não apresentava mais nenhum machucado ou escoriação.

Porém, um jovem continuava com um estranho pressentimento. Pouco antes do ataque dos Pokémons à colheita, ele havia sonhado com algo muito estranho, uma forma negra havia aparecido em seus sonhos, o guiado até uma luz e somente o soar de uma voz fraca e que acariciava seus ouvidos pôde ser ouvida, dizendo uma palavra, que se repetia na sua mente de forma repetitiva, "Ajude-me - Ajude-me - Ajude-me". Esse era um dos problemas que rondavam sua cabeça, mas outro o deixava tão inquieto quanto, porém parecia que os moradores da vila simplesmente haviam deixado de lado o segundo fato que o estava incomodando.

Sob a sombra de uma imensa árvore de Carvalho encontrava-se o jovem, com seus cabelos castanhos, lisos e brilhosos, e olhos verdes de um tom esmeralda profundos como o fundo do mar. O sorriso maroto, em forma de meia lua, sempre fazia com que garotas perdessem o fio da meada e parassem suas falas o olhando atônitas. Ele demonstrava uma perfeita dentição, alva como o algodão, o que deixava seu charme ainda maior quando lançava sorrisos de cinismo as mais diversas situações. Seu Charmeleon, companheiro inseparável de todos os momentos, estava ao seu lado, um pouco acordado, um pouco dormindo, aproveitando a brisa vespertina que soprava e deixava o ar quente do verão mais agradável, enquanto ele analisava o todo.

Deitando um pouco na grama, apreciando a beleza do céu, os pensamentos de Yann Fauster não desviavam do acontecimento estranho e único que ocorrerá no dia do ataque dos morcegos. O fato de uma aurora boreal, um evento antes descrito apenas nos livros de histórias antigas, que com certeza guardava algo sinistro em seu acontecimento. Yann então fechou os olhos e tentou rever mentalmente a sucessão de cores frias que pairaram no céu naquela ocasião. Flashes se mostravam diante dos seus olhos, sons de um confronto distante também chegavam com a mesma intensidade, uma vez que da vila pôde ser escutado toda a batalha nos campos da colheita.

Subitamente o garoto entrou em um estado de torpor induzido, sentindo seu corpo pesado, as pálpebras carregadas por toneladas de concreto, o impedindo de abrir os olhos e sua a consciência aos poucos se desvaneceu de sua mente. Um breu total foi sentido, inutilmente Yann tentou realizar algum movimento, mas seu corpo não seguia nenhum comando, sua voz não saia de sua boca e seus braços e pernas não pareciam se quer existir. O desespero então tomou conta de seu ser, mas antes que a loucura também o dominassem, uma forte luz branca brilhou a alguns metros diante dele que de início o cegou, mas com a adaptação da intensidade, foi tornando-se sua libertadora. Seu corpo voltou a mover e por toda a extensão do local onde se encontrava, ele escutou o eco de sua voz ressoar "Olá (olá, olá, olá...), quem está aí (ai, ai, ai...)?".

Nenhuma resposta foi obtida durante a dissipação do som, mas uma nuvem esverdeada tomou forma em frente aos olhos do jovem, uma forma pequena, que não ultrapassava do tamanho do antebraço do rapaz, mas não passando de uma nuvem de poeira, flutuando, somente, como uma pequena e controlada tempestade de folhas e galhos. Intrigado com o evento, Yann esticou sua mão para encontra-se com a mini tempestade, mas ela recuou rapidamente e rodopiou por volta do menino, fazendo seus cabelos esvoaçarem e ele ser forçado a fechar os olhos, como reflexo ao vento intenso.

Com os olhos cerrados, Yann sentiu algo se aproximar do seu ouvido, dando um salto para tentar desvencilhar-se da tormenta e ver o que estava acontecendo ele abriu os olhos, mas não havia mais nada para se observar. A luminosidade que antes existia, havia novamente sido tragada para a escuridão, os movimentos que antes estavam graciosos e fáceis de serem realizados, começaram a endurecer e se tornarem estáticos. Um último lampejo de voz foi forçado a externar, mas apenas um grunhido sem sentido saiu da boca de Yann, o levando ao desespero novamente.

Ele era o tipo de garoto que passava muito tempo parado, calculando suas ações e consequências, mas não gostava de ficar inerte em um local, sem poder ser peça atuante e modificante do meio que o cercava, e ficar nesse estado, em completa inércia, o fazia perder o juízo. Pensando com todas as suas forças, lutando com cada energia que conseguia reunir do seu interior, ele extravasou todo o sentimento em um grito, grave e voraz, de desespero, assim como um animal acuado, sem saída e proteção.

O grito ecoou novamente por todo o aposento, e dessa vez, uma figura flutuando no ar, em tons de verde, com grandes olhos azuis, duas pequenas antenas em sua face que se projetava em direção ao cabelo, espetado e de um tom mais escuro de verde, apareceu em sua frente, inundando todo o ambiente com uma aura mística. Seu semblante mostrava que ele estava muito cansado, sem forças, pronto para desistir, mas sua aura trazia proteção, reconforto, saúde, todos os sentimentos bons de uma só vez, o que fez com que um leve sorriso aparecesse nos lábios de Yann.

- O que, ... quem é você? - Yann perguntou no primeiro instante que seus olhos se cruzaram.

O pequeno ser simplesmente o olhou e mais uma vez a luminosidade foi tornando-se mais fraca e tremeluzente, ele começou a desvanecer e flutuar de encontro ao chão, mas Yann correu e o segurou no colo. Ele não deixaria a escuridão tomar conta do local novamente. Ao segurar o pequeno ser no colo, ele olhou nos seus olhos, um momento fugaz que fez com que todos os pelos do corpo de Yann arrepiassem. A pequena criatura fechou e abriu os olhos e uma voz soou na cabeça de Yann, como uma enxurrada de boas sensações aliviando sua alma.

- Você é aquele ao qual o mundo pode contar. Sua linhagem é pura e suas ações tendem ao bem. Seja forte e não deixe que o tempo tome conta de você. Traga o balanço para esse mundo, o proteja, seja a luz e não permita que um dia você venha a apagar. AJUDE-ME. - Durante o pequeno discurso, Yann percebeu que a boca do pequeno ser não se mexia, era como se ele falasse diretamente em sua mente, diretamente em seu interior.

Ao finalizar, a palavra final ficou repetindo em sua mente, o que fez Yann perceber que esse mesmo ser havia estado em seus sonhos, havia sido o responsável pela sua insônia e o desespero que havia acordado algumas noites atrás. Com muitas perguntas em sua mente e o pequeno ser em seus braços, ele abriu a boca para indagar sobre este ou aquele assunto, mas não conseguiu falar nada quando percebeu que o pequeno ser começou a dissolver-se em suas mãos, a tornar-se ar, poeira, desintegrar. Desesperado com a situação, ele tentou se agarrar com os poucos pontos do corpo que se encontravam ainda em matéria, mas estes também foram se desvencilhando rapidamente. Atônito, ele avaliou ao redor e viu que tudo a sua volta também começava a se dissolver.

- Espere, não vá, diga-me ao menos quem você é? O que é esse lugar, como vim parar aqui, e porque eu, o que eu fiz? Como saio daqui, eu... vou morrer, eu morri? - Suando frio Yann viu o mundo a sua volta se esfarelar e nada do que ele pudesse fazer parecer servir. Então, seu próprio corpo começou a se decompor, a virar poeira e sua mente começou a viajar para longe da matéria. Porém, segundos antes de todo seu corpo se desligar da sua mente, a voz doce e delicada sussurra em sua mente, enquanto lágrimas escorriam de seu rosto quente:

- Muitas perguntas, pouco tempo. Mas converse com seu pai, sou o Celebi.

Como na manhã do ataque dos morcegos ao campo de trigo, mais uma vez Yann acordou assustado e suado, porém, dessa vez sua cabeça estava estourando de dor e flashes estavam repetidos incessantemente em sua cabeça, e o nome CELEBI não para de vir aos seus ouvidos. O Charmeleon deu um salto ao ver a reação do seu companheiro e ficou de sentinela, com suas garras e presas a mostra e seu rabo lançando intensas chamas, porém se destacando suas escamas que refletiam o lindo arrebol que ocorria no horizonte, juntamente com algumas cores disformes e de tonalidades randômicas provocadas por uma segunda, tão bela e intensa quanto à primeira, aurora boreal nos céus de toda a extensão da vila.

Um barulho de animais correndo foi ouvido e uma poeira levantada a alguns metros de distância de Yann e do Charmeleon. Com o treinamento que Yann possuía e alta destreza em escalar as árvores, os dois subiram na copa do grande Carvalho ao qual eles estavam descansando, o que possibilitou uma boa visualização de todo o terreno. Eles observaram que um grupo de Taurus havia debandado contra um pequeno celeiro no meio da estrada. Um pequeno grupo de pessoas estava no celeiro, mas vendo a súbita e descontrolada aproximação, fugiram rapidamente para uma alta colina, dando tempo somente de chegarem ao local para assistir sua construção sendo destroçada e consumida por poeira, depois que a debandada de Taurus passou no local. Segundos após toda a destruição, Yann percebe que o grupo de Taurus simplesmente parou, todos os Pokémons estavam confusos, encaram um ao outro e simplesmente marchando em silêncio e calma para os campos dos quais haviam debandado.

Ao perceber que, este pode não era um evento simplório ou uma baita coincidência com o ataque anterior, Yann desceu rapidamente da árvore, seguido pelo Charmeleon e os dois foram direto para a vila, para um encontro com o "Pastor", onde ele procurava entender ou descobrir o quê, e o porquê do Celebi ter falado com ele e quem é este Celebi, e que ligação ele teria com esses acontecimentos, ou seria somente uma aparição criada por sua mente, um fantasma ou talvez um Pokémon.