CAPÍTULO 06

O RETORNO AMARGO

 

       Todos se encontrariam naquelas primeiras luzes lançadas pelo sol naquela manhã. O dia já vinha começado quente, como o calor presente muitas vezes durante as tardes que caiam na vila Serena. Ian acordou em sua cama, com o Charmeleon deitado sobre ele, os dois estavam entrelaçados assim como ficam duas crianças durante uma festa de pijamas. Muitas vezes a mãe de Ian, Paola, chegava no quarto e reclamava com os dois, desde o tempo em que o Charmeleon ainda era um Charmander. Duas vezes não foi a reclamação de Paola que havia acordado os dois, mas sim a cama de Ian em chamas, causada pela cauda do Charmander. Desde então ele conseguiu aprimorar uma técnica de controle de suas chamas, quase a extinguindo totalmente de sua calda para poder ficar na cama com o Ian, mas havia se acostumada também a ficar no seu próprio lugar, próximo à janela, o que pela manhã o recarregava e deixava seus poderes bem mais elevados, fato que o impulsionou a evoluir durante um dos dias de comemoração do nascimento de Ian.

       Os dois se aprontaram e seguiram para tomar o café da manhã, durante a descida até a cozinha, escutaram um barulho vindo do porão, mas deveria ser o pai de Ian, Wilson, arrumando suas ultimas coisas para levar em sua viagem. Ian se via muito chateado por ter que validar a expedição e mais chateado ainda por não poder fazer parte dela. Os dois haviam discutido na noite anterior, após Ian dar sua sentença, com a condição que ele também deveria estar no grupo, mas Wilson utilizou bons argumentos e deixou bem explicado que aquele era um grupo formado por pessoas que já deram muito pela sua vila e não se importariam de dar a vida, e não aceitariam ninguém  que ainda tivesse muito o que viver, menos ainda a figura do Pastor, um líder, que principalmente nesse momento, toda a vila estava precisando que estivesse presente, e já que ele havia sido escolhido pelo próprio Celebi, assim deveria se portar, como o Pastor e cuidar de toda a vila.

        O café da manhã já estava sobre a mesa, a mãe de Ian parecia que havia saído para coletar algumas ervas e frutas, mas o Jigglypuff lá estava para servir aos dois. Ian e Charmeleon estavam bem mais elétricos hoje, fosse pelo calor do dia que deixava o Charmeleon mais animado ou fosse a eminente saída de um grupo bastante importante para os limites da vila. Os dois trocavam os alimentos que Jigglypuff havia colocado em seus pratos e estavam brincando de uma pequena guerra de comida, que não cessou pelos olhares recrimináveis deste, mas sim pela chegada de Wilson e do Alakazam, que fez com que uma fatia de bolo planasse pelo ar e descesse calmamente sob o prato do Charmeleon.

- Agradeço por não ser sua mãe a entrar na cozinha, não é Ian, você sabe o que ela acha sobre essa brincadeira dos dois. E você também Charmeleon - Wilson sentou-se na cadeira, sua voz séria utilizada no dia anterior havia desaparecido após a conversa que os dois tiveram ao chegar em casa e ele lançou um olhar, ora de recriminação, ora de diversão pela guerra que tantas vezes foi motivo de confusão na manhã da casa dos Fauster. Esse tempo infelizmente para ele estava acabando, mas ele orava a Celebi que o protegesse e o fizesse ter a oportunidade de retornar a essa "louca" rotina. 

        Momentos depois Paola também se reuniu com eles e os seis habitantes da casa tiveram um feliz, divertido e inspirado café da manhã, com muitas boas lembranças e promessas para o retorno da expedição. Ian, uma vez ou outra, tentava lançar indiretas para o pai ficar e ele partir em seu lugar, mas todas as investidas acabaram não surtindo efeito. Um dos últimos momentos onde somente a família estava reunida foi “fechado” com a promessa de Wilson que Ian receberia um presente único e muito especial assim que ele retorna-se. Quando Ian começou a indagar sobre o conteúdo de tal presente, foi interrompido então pelo bater da porta, que revelou a entrada dos outros expedicionários e seus familiares e companheiros a casa da família Fauster.

        Wilson e Alakazam se retiraram para o quarto para pegar seus materiais e partir com o grupo, Paola e Jigglypuff ficaram na cozinha arrumando os pratos, enquanto Ian e Charmeleon ficaram na sala para receber a todos que chegavam.

        Entre os que já estavam entrando ele viu Elisa, que juntamente com sua Chansey, exalavam uma beleza muito característica delas, uma beleza singular e natural, regada unicamente de simplicidade. Elas estavam com bolsas nas costas, com alguns cantis a mostra, amarrados ao lado desta e um “colchão” para cada uma, confeccionado com caules de plantas resistentes que promoviam a diminuição do desconforto de dormir no chão. O cabelo de Elisa estava amarrado no estilo rabo de cavalo e ela usava uma jardineira com camisa branca, pronta para qualquer tipo de desafio que pudesse ocorrer. Ao seu lado, sua Chansey demonstrava um semblante calmo e pacificador, como sempre era possível sentir aproximando-se dela. As duas cumprimentaram de forma cordial o Pastor e sentaram ao seu comando para esperar o restante do grupo, que chegava intercalado. Não demorou muito para todos estarem presentes.

        Peter Mentow e seu Zubat chegaram seguidos por Rose Reodor, seu Venonat e seu filho Markus com sua Tangela, estes dos últimos com os olhos ainda marejados e vermelhos da possível despedida que haviam tido anteriormente, com Markus sendo consolado pelo amigo quando este passou.

        Anthony MacFree e Ilana, juntamente com o Vaporeon e o Eevee, foram os últimos a chegarem, passando por Ian e causando um espanto para o garoto, pois Anthony, que sempre foi bem reservado em relação a ele e um pouco ranzinza, passou por ele o afagando no ombro, como a um amigo que há muito não era visto, fato que também trouxe um pouco de surpresa a sua filha. Paola e Jigglypuff já estavam na sala quando Ian fechou a porta após a entrada dos quatro, servindo sucos de frutas cítricas, com biscoitos deliciosos e socializando com todos.

- Vamos, vocês tem que estar bem alimentados para o começo dessa caminhada de vocês. Não quero que ninguém tenha que retornar a vila por estar passando mal no primeiro dia. – Ela começou a falar quando Rose tentou recusar o suco e os biscoitos, a fazendo se entupir de comida.

        Ilana se aproximou de Ian e começou a conversar suas frivolidades de sempre, como  o ciúme sem razão dela por Markus e Melany ou como foi difícil encontrar a roupa certa para se despedir do pai. Já não aguentando a conversa e vendo que o amigo estava em um clima que precisava de ajuda, ele desvencilha-se dela e vai até Markus, o consolar.

- Cara, você tem que ficar mais tranquilo, sua mãe irá retornar como todo mundo, você vai ver. Te dou quinze dias para eles já estarem em casa novamente – Ele se sentou ao lado do amigo, agradecido por Ilana não o seguir. Porém as palavras de Ian pareciam que o estavam trazendo novamente os sentimentos a tona, o deixando com os olhos marejados e uma pequena lágrima escorria do seu rosto. A Tangela ao seu lado tentava consolar o seu companheiro, mas parecia ser um caso perdido.

- Eu sei, tenho certeza que eles retornarão... mas não é isso Ian... não tem só haver com a minha mãe... estou preocupado com sua ida sim, claro... mas estou muito triste pelas atitudes de quem fica... – Durante toda a conversa ele fica suspirando muito e limpando as lágrimas que aos poucos insistem em cair do seu rosto, falando a ultima frase com um olhar penetrante para Ilana, que de costas não percebe a investia, o que não demorou mais que um segundo para Ian entender o problema que ele vinha passando.

        Markus sempre foi um garoto mais alto que Ian e com mais massa muscular, mas o que ele tinha de autoridade dada pela aparência, ele transbordava ainda mais de paixão em seu coração. Markus era muito sentimental, suas decisões eram tomadas basicamente pelo coração, com muitas vezes a razão sendo simplesmente esquecida que existe. Suas decepções o levavam a um estado de tristeza intensa por muito tempo, e as tentativas com Ilana para que o relacionamento dos dois continuasse, acabaram o deixando muito magoado, principalmente pelo sentimento de ciúmes que a garota criou contra Melany, uma grande amiga dos garotos que os via como irmãos, e jamais havia demonstrado qualquer interesse em qualquer um dos dois.

- Cara, entenda uma coisa. A Ilana é uma ótima pessoa, mas o ciúme dela não só está piorando com o tempo, está se tornando doentio. Antes era algo até legal de ver, algo que parecia saudável, mas hoje em dia, qualquer um percebe que isso só irá causar problemas para vocês dois. Eu, particularmente, fico feliz que vocês acabaram. – A ultima discussão do casal ocorreu na comemoração do dia do nascimento de Markus, onde Ilana convidou Ian e Melany para uma festa em uma fazendo próxima da vila, porém a comemoração estava ocorrendo na casa de Markus, o que fez com que os dois não comparecessem.

        Ela diversas vezes tentou explicar, dizendo que havia feito isso para que Melany deixasse Markus em paz, deixando o caminho livre para a felicidade dos dois e se relacionando com Ian isso seria ainda mais tranquilizante para ela. A desculpa não foi aceita por Markus e no final da festa, os dois tiveram uma grande discussão e acabaram o relacionamento que durava anos, o que trouxe para Markus a sensação de culpa, pela falha que ocorreu no relacionamento, e o deixou muito deprimido por várias luas, o que só começou a melhorar depois da ação do tempo.

        Markus escutou as palavras do amigo e confirmou com a cabeça, o que fez com que Ian ficasse em dúvida se o seu amigo o havia entendido ou estava apenas realizando um reflexo corporal quando alguém fala com você. Antes que qualquer outra palavra fosse dita, todos começaram a se levantar e Ian percebeu que seu pai e o Alakazam estavam no meio de todos, ambos também com mochilas nas costas. As mochilas eram bem semelhantes em conteúdo com as carregadas por todos, sendo adaptadas a cada corpo dos Pokémons.

- Aguarde meu retorno, que o melhor presente do mundo eu vou te dar – Wilson deu um abraço em Ian, enquanto todos se despediam mais uma vez dos seus amigos e familiares. Paola e Jigglypuff, que estavam se mostrando forte até o momento, não se aguentaram e caíram em lágrimas, o que já estava acontecendo com todos dentro da sala.

        Todos saíram para o pátio da casa, e alguns dos cidadãos da vila também estavam lá para desejar boa sorte a todos que estavam se arriscando na busca pelo Celebi e consertar os problemas que vinha acontecendo. O sol da manhã ainda estava baixo do sol, mas seus raios caíram sobre todos, como se o próprio céu estivesse abençoando o grupo que se retirava.

    ***

        Duas semanas já haviam se passado, nenhuma nova informação foi recebida por Ian. Ele havia decidido, dois dias depois da partida dos expedicionários, que todos poderiam ficar em contato através da ajuda de algum dos vigias da vila, conhecidos como Falcões Elementais, esperando que algum pudesse se dispor a esse cargo, o que aconteceu assim que ele fez o pronunciamento. Thomson Malvin, um dos Falcões de alta estima por todos do grupo aceitou a empreitada e partiu em busca do grupo, porém até o momento eles não haviam se encontrados, fato que vinha sendo narrado nas cartas trazidas pelo seu companheiro, um belo e ágil Pidgeot, que conseguia atingir altas velocidades no céu e percorrer longas distâncias rapidamente. Isso trazia um ar de frustração sobre o desejo de comunicação e tentativa de proteção que Ian deseja ao grupo.

– Senhor Pastor – um dos Falcões Elementais adentrou na sala de Ian, que observava o Charmeleon banhar-se nos raios de sol que entravam pela janela da sala do Pastor. O garoto usava o manto padrão dos Falcões Elementais, um longo manto azul com um Pidgey bordado no peito e mangas cortadas na altura dos ombros e uma calça de mesa tonalidade de um tecido perceptivelmente leve pelo farfalhar do manto ao vento. Também usava botas de couro de Tauros, muito resistente e que traziam um grande conforto, mesmo em dias quentes como os que vinham ocorrendo, além do mais o deixavam uns cinco centímetros mais alto. Ian fez sinal para ele entrar na sala e observou com interesse, como das ultimas vezes que o garoto o vinha visitar, o embrulho que ele trazia em suas mãos.

– Senhor, o Pidgeot de Thomson chegou há pouco tempo e trouxe mais esta carta, mal se alimentou e partiu novamente. Eu temo que algo tenha acontecido, por isso, preferi trazer imediatamente o pacote para o senhor.

– Obrigado Andy, agradeço a sua preocupação, avaliarei a situação do conteúdo do relatório e tomarei as providências necessárias. Você pode voltar a seus deveres. – Ian então pegou o embrulho que Andy oferecia e começou a desdobrá-lo, enquanto o rapaz, que possuía traços físicos mais velhos que ele se retirava.

        O sentido de “superioridade” era algo muito distante na cabeça de Ian, mesmo por meio da hierarquia, uma vez que seu pai sempre trabalhava bem esses sentimentos nele. Ser filho do Pastor era algo muito problemático e trazia muita atenção para tudo que ele realizava, e tornavam-se ainda mais chamativas quando o próprio filho era responsável por gerar seus próprios problemas. Porém o caráter foi algo que Wilson sempre lapidou com afinco e carinho no seu filho.

        As letras de Thomson já estavam tornando-se familiares aos olhos de Ian, uma vez que este lia e relia diversas vezes a mesma carta, esperando que a cada novo caminhar do olhos ele pudesse encontrar segredos escondidos e verdade não percebidas sobre a localização dos expedicionários. Mas, assim como os outros relatórios, este somente trouxa mais um dia improdutivo.

        Nas costas do Pidgeot, Thomson viajava bem mis rápido que o grupo, o que o deve ter levado a um caminho muito mais distante, como ele vinha exprimindo em seus relatórios, porém o Pidgeot sozinho conseguia viajar bem mais rápido, por isso a comunicação ainda ocorria. Mas a distância que eles estavam se encontravam levavam o Pidgeot a passar dois dias para entregar qualquer mensagem, e isso tornaria somente a vigília dos dois mais cansativas, deste modo Thomson achou melhor pedir calma a Ian e informou que só encaminharia novamente uma mensagem quando os dois grupos se encontrassem.

        A semana de Ian parecia que começaria boa, mas só parecia. No primeiro momento o filho de Emerlinda foi encontrado. Ele havia se escondido na floresta por ter quebrado alguns instrumentos da sua mãe e ficou receoso do castigo que cairia sobre ele, mas tudo estava tranqüilo para eles no momento, mãe e filho, passavam bem. Mas apenas essa notícia foi boa, primeiro a informação que a comunicação seria cortada, e depois os relatos que a Febre Flavescente estava ainda se difundido só complicavam a situação. A ajuda de Eleonor, que havia continuado o trabalho de Elisa e o aperfeiçoado a ponto de possibilitar o prolongamento da sobrevida dos Pokémons infectados não estava surtindo efeito. A Febre era algo arrasador, o Pokémon começava a perder líquidos e ficava sem forças, em poucos dias a vitalidade sumia totalmente e não demorava muito mais para o Pokémon acabar entrando em estado de coma e morrer. Ele vinha andando muito por todas as alas que foram criadas para manter os Pokémons doentes e tentava consolar os seus companheiros humanos que desabavam em lágrimas ao vê-lo, pedindo ajuda e salvação para seus amigos.

***

        A paisagem do cominho que dava para a entrada de vila Serena sempre era tranqüilo e pacato, com dois pilares em cada ponto principal da estrada, vigido por olhos treinados dos Falcões Elementais.

        Um grupo de crianças brincava abaixo do pilar, em uma pequena clareira que era mantida sempre na sua base. Um patrulheiro em seu posto observava o horizonte e acariciava seu Butterfree, porém sempre com o olho atento para a brincadeira das crianças não se tornar nem perigosa e impedir também que elas se aventurassem pela floresta. Porém dessa vez, um farfalhar de folhas próximas ao grupo de crianças demonstrava que aquela poderia ser uma tarde não muito agradável para todos.

        Do alto da torre de vigia o Falcão observou que a vegetação possuía uma tonalidade esverdeada misturada com borrões arroxeados. Mas esse borrão não estava imóvel, ele vinha caminhando lentamente, porém uniformemente na direção das crianças, que devido à euforia pareciam que não haviam percebido nada. Momentos antes que o animal se revelasse o alerta do patrulheiro deu um “click” e ele rapidamente pegou carona no seu Butterfree, para descer rapidamente da torre até a clareira.

- Ekanssssss...

        Uma grande cobra de escamas arroxeadas, com uma cabeça arredondada, pequenos olhos amarelados e pupilas afinadas, com um copo coberto de escamas de tamanhos variados e uma faixa amarelada no pescoço com seguimento por todo o ventre na mesma cor, em uma listra, que finaliza, tornando-se repentinamente uma fina cauda, com chocalhos, também amarelos, saltou sobre o grupo de crianças e abocanhou a mais próxima, que não teve tempo sequer de sentir o que a havia atingido, sendo seguida de perto do grito eufórico de todas as outras crianças que percebiam o que vinha acontecendo, enquanto a cobra se enroscava no corpo do garoto.

        A alguns centímetros do chão, o Falcão Leonardo saltou da carona que seu companheiro o dava e este, ao perceber a diminuição do peso se lançou rapidamente ao ataque da grande cobra arroxeada, batendo nela com um ataque rápido, o que a desestabilizou da mordida que dava na criança, a soltando e ficando em posição de ataque, sibilando para a borboleta que planava próximo da criança.

- Sssssss...

- Crianças, ajudem aqui – Leonardo chegou junto do corpo desacordado do garoto e percebeu que ele ainda respirava, então o levou no colo até a base da torre que era protegida pela escada que levava até seu topo. As crianças o seguiam de perto, com rápidos e temerosos olhares para a batalha que o Butterfree vinha travando com a grande cobra.

– Então, eu irei ajudar o Butterfree e quero que um de vocês vá chamar a doutora Eleonor, peça que ela venha rapidamente, diga que a picada da cobra foi profunda e eu não consegui estancar o sangramento – enquanto um dos garotos foi correndo para a vila, ele continuou – Vocês dois, peguem esse pedaço de pano – ele retirou então o manto e o rasgou em dois – Façam pressão nesses pontos, enquanto ajudo para expulsar essa cobra.

        Retornando à clareira ele observou que o Butterfree estava sendo apertado pela cobra, que utilizou seu grande corpo para impedir o voo do Butterfree, o que também devia estar causando a falta de discernimento no que deveria fazer, pois ele não conseguia reagir.

– Butterfree amigo, me escuta – as antenas roxas do Pokémon mostraram que haviam captado a voz de Leonardo e reconhecido – você consegue sair daí cara, força vamos – ele estava começando a demonstrar um pouco de resistência, mas a cobra apertava mais intensamente – vai lá, utiliza aquele seu ataque Supersônico.

        As palavras pareciam ter dado um novo ânimo ao Butterfree, pois ele agora se remexia de todas as maneiras para se desvencilhar do aperto rígido da cobra roxa. Seu corpo todo se contorcia, suas pequenas patas debatiam-se contra o corpo forte da cobra e suas asas começavam a esvoaçar com intensidade e brutalidade. Só foi necessário um pouco da liberdade para Leonardo perceber que o Butterfree havia conseguido fazer o ataque ao qual ele havia sugerido.

        Uma onda de energia começava a surgir do corpo do Butterfree e o ar ao seu redor começou a ganhar a forma de ondas, que vibravam com intensidade e respondiam cada vez mais aos movimentos das asas que estavam se soltando do ataque quase mortal da cobra. Desvencilhando-se totalmente do ataque, então o inseto voador lançou um grande bufar de asas sobre a cobra, que começou a se debater e se enrolar, demonstrando claramente que sua cabeça estava em surto, que o barulho supersônico provocado a estava deixando descontrolada.

        Aos ouvidos de Leonardo, este era somente mais um bonito movimento que seu companheiro realizava, uma vez que a intensidade do ataque foi direcionado exclusivamente para a cobra, como eles vinham treinando a muito tempo a direção desta técnica especial.

        A cobra começou a se enroscar e para impedir o barulho ensurdecedor que a estava debilitando, ela lançou então uma gosma roxa pela sua boca, com uma densidade muito grande, como lama, mas um cheiro muito forte e nauseante, o que cai muito próximo a Leonardo, respingando por todo o local, batendo em alguns arbustos, árvores e um pouco em suas calças, os corroendo lentamente. Butterfree ao ver o ataque, suspende sua investida e vai até o seu companheiro, bater as asas na intenção de retirar a gosma corrosiva.

        Subitamente, Leonardo sente sua pele começar a esquentar nos pontos onde a gosma roxa estava corroendo suas calças, o que o leva a retirar sua roupa rapidamente, ficando apenas com as botas de Tauros, que se mostravam muito resistente ao pouco de substância que havia pingado sobre elas.

– Ekanssss...

– Freeeee...

        Butterfree bate fortemente suas asas quando a cobra dá um bote sobre Leonardo, a jogando do outro lado da clareira. Ela começa então a lançar ataques rasantes sobre a cobra, que começa a se eriçar e tentar se aproximar de Leonardo, que percebe e começa a se movimentar também na clareira, segurando um galho de árvore que havia caído durante a batalha.

        Os voos rasantes e os botes estavam cansando visivelmente os dois seres, a batalha estava demorando mais tempo que o esperado, Leonardo já estava preocupado com a demora na chegada de Eleonor e também estava temeroso pela saúde de seu amigo, já que a Butterfree já estava com uma respiração bem dificultosa, com as asas bem avariadas graças aos filetes de veneno que saiam da boca da grande cobra e transpassavam como agulhas as asas dele.

        A cobra tinha seu corpo todo machucado pelos impactos intensos que o Butterfree lançava e algumas partes do seu corpo estavam sangrando graças às técnicas especiais que ele usava, transformando o ar em cópias bem afiadas de asas em cor prateada, afiadas como o próprio metal. Nos locais onde o sangue da cobra pingava, a corrosão provocada pelo sangue era perceptível.

– KSssssss...

– Cuidado Buterrfree, ela via saltar! – Leonardo conseguiu gritar antes que seu Butterfree conseguir perceber. Ele estava com suor e sangue escorrendo por suas antenas e suas patas estavam fracas, mas o esforço para levantar e limpar a visão o deixava momento sem conseguir enxerga.

        No ultimo instante, o Butterfree conseguiu observar a situação e com suas forças quase exaurindo, ele fez um esforço cruel para subir mais alto que o salto da cobra, o que surtiu efeito, mas o fez cair após a cobra aterrissar de modo desengonçado do outro lado da clareira, um pouco confusa e demorando algum tempo para se situar também.

        Nesse momento, durante a retomada das duas partes, Leonardo percebeu que a cobra caiu próximo ao local onde ele havia retirado suas calças, e uma árvore próxima estava com seu caule parcialmente corroído pela substância que a cobra havia lançado, nesse momento ele percebeu que ali poderia ser a vitória deles. A cobra começou a se mover sorrateiramente para próximo ao Butterfree, que estava quase sem forças  para fugir para o ar novamente.

– Vamos cara, essa é a nossa chance, força, veja, lá está a nossa chance – e apontou para a árvore, tentando indicar o objetivo apenas com sinais, como muitas vezes acontecia a união dos dois. Mesmo avariado, o Butterfree percebeu a idéia de seu companheiro e então fez o que ele desejava.

        Suas forças já não eram calculadas, elas vinham de uma reserva que o próprio Butterfree desconhecia, suas asas armaram-se novamente no desespero para aquele ser o ultimo golpe, que ele esperava ser vencedor, senão, sabia que a batalha para ele estava perdida.

        Uma forte rajada, mesmo do chão, começou a fazer as folhas e a areia planarem pelo ar e se transformar numa intensa tempestade, que atingiu a cobra, que também estava com poucas forças para se desviar, a levantando da terra e a fazendo chocar-se contra a árvore. No primeiro momento, que Leonardo pensou que a árvore sucumbiria apenas com a pancada, mostrou-se infundado, mas a intensidade da rajada era o que mantinha a árvore de pé, pois assim que acabou o forte vendaval, a árvore declinou à frente e encontrou o chão, quase tendo um galho atingindo o Butterfree, que foi protegido em último momento por um mergulho de Leonardo, o que lhe causou pequenas escoriações, que não chegam perto da exaustão e dos danos físicos sofridos pelo seu amigo.

        Ao levantar com seu amigo nos braços, já que ele não tinha nem condições de voar ou andar, eles começaram a se dirigir para a torre, com uma certa velocidade, assustado e com medo que a cobra voltasse, mas olhando para trás, no momento que a poeira começou a baixar, Leonardo percebeu uma pequena poça de um líquido semelhante ao sangue que escorria entre as escamas da cobra fluiam pelos arbustos da árvores caida e boa parte do caule já não mais existia, fazendo assim com que o temor da cobra ressurgir se esvairisse, o que deixou-o andando um pouco mais lentamente.

        Ao avistar a entrada da vila, ele vê Eleonor correndo com seu Elekid, seguidos de perto pelo garoto e os pais da criança que foi mordida, em direção a torre de vigília. Sem tempo para muita conversa ou explicação do porque de estar somente de roupas íntimas e botas, ele pede que o pai do garoto leve seu filho rapidamente para a casa de Eleonor e solicita ajuda ao Elekid para carregar o Butterfree, pois seu braço começava a demonstrar sinais que também estava bem machucado.

***

        As boas aspirações realmente não estavam abençoando Ian. Quando a luz do sol já estava sumindo, formando uma bela visão à olhos apreciadores, Ian pôde observar Eleonor encabeçando um grupo apressado em direção a sua casa, acompanhada de seu companheiro Elekid e por Leonardo, um dos Falcões. Os dois pareciam carregar um grande saco de alimentos colorido, mas ao chegar mais perto de Ian, ele percebeu que tratava-se de um Butterfree muito machucado, suas antenas muito avariadas, buracos em suas asas e um líquido que só poderia ser sangue, com tonalidade arroxeada, escorrendo de algumas feridas em seu corpo.

- Como, o quê, onde? - Ian começou a falar e seguir o grupo, com Charmeleon em seu encalço. O espanto ao ver que um garoto também estava sendo carregado ficou estampado no seu rosto. Um frio nauseante passou por todo o corpo dele. Um Pokémon já era uma grande perda, mas se a doença começasse a causar problemas aos humanos, o que ele poderia fazer, como ele cuidaria da vila, como ele manteria o legado dos Pastores antecessores em proteger o povo.

        Todos chegaram na casa de Eleonor, que abrigava os casos mais grave da Febre, aqueles que pouco se podia fazer para curá-los. A assistência sobre eles tinha que ser mais intensa e quando um Pokémon partia, não importava a hora, ela estaria lá para dar suporte ao companheiro humano. no momento dois Pokémons estavam no leito e seus companheiros choravam em silêncio, reagindo fracamente com a entrada da doutora, uma vez que eles viam que ela já realizara tudo que podia por eles.

        O Butterfree e o garoto foram colocados na mesma sala, improvisada para se tornar um leito, ao lado de um pequeno escritório que possuía muitas vidrarias com líquidos ferventes e aparelhos de laboratório, que demonstravam ser os instrumentos de trabalho de Eleonor. O Elekid foi rapidamente até o pequeno cômodo e trouxe em suas mãos dois potes com um líquido pastoso azulado, entregando um deles ao pai do garoto e o outro abrindo e aplicando sobre todo o corpo ensanguentado do Butterfree. Leonardo foi coberto por um roupão de banho trazido por Eleonor, que cuidou das suas escoriações, colocando compressas em seu braço e deu um tônico para relaxar um pouco, facilitando seu sono, mas antes, ele explicou sobre os fatos que aconteceram.

        O relato do ataque da cobra, a intensidade do veneno e a dura batalha, iniciada por causa da mordida na criança, deixaram a expressão fácil de Leonardo triste e vazia, o tônico começou a fazer efeito e ele acabou adormecendo. Assim que ele caiu no sono, Eleonor deixou todos no leito improvisado e saiu de casa. Alguns minutos se passaram e a conversa entre todos se resumia ao ataque o que seria essa cobra, como ela atacou os garotos e porque, não demorou muito Eleonor retornou  com um pote de vidro sendo balançado de um lado para o outro. Ela segue para seu laboratório e é seguida por Ian, enquanto o Charmeleon auxiliava Elekid a cuidar do Butterfree que estava começando a regurgitar um líquido amarelado. A atenção também tinha que ser dividida com o garoto, que começava a demonstrar estados de piora. Quando se forçava a abertura dos olhos do garoto, podia se ver que seu globo ocular estava ficando amarelado, assim como por baixo de suas unhas.

- Doutora, o que você acha que devemos fazer? Será que estes sintomas que o menino apresenta realmente é o da Peste Flavescente? A senhora tem como confirmar? - Ian perguntava inseguro e com receio da resposta de Eleonor. Ele estava se sentido quebrado por não saber o que fazer, não saber que caminho seguir ou liderar a caminhada por ele, a única alternativa que ele via era esperar, esperar que Eleonor encontrasse uma saída, ou que um milagre acontecesse.

- Senhor Pastor, eu consegui pegar um pouco do sangue do suposto Pokémon, o local estava todo corroído pela intensidade da abrasão dele, coloquei luvas, que foram rapidamente descartadas e como o senhor viu, vim trazendo nesse recipiente de vidro (que estava todo cheio de buracos), mas consegui pegar um pouco desse poderoso ácido. Irei trabalhar nele com muito afinco e verei se é um veneno que pode causar a doença que todos os outros Pokémons apresentaram. Não sabemos como eles ficaram doentes até o momento, mas caso seja por contato ou ataque com essa cobra, teremos muita sorte pois poderemos começar a criar uma cura diretamente da fonte da doença. - O semblante de Eleonor estava muito devastado, parecia que a jovem médica havia envelhecido anos nessas ultimas semanas, desde a partida de Elisa. Ian sabia que ela vinha trabalhando dia e noite. A pressão era grande para que se descobrisse a cura para a Peste Flavescente, mas ninguém cobrava mais do que Eleonor ou o Elekid estavam fazendo, todos sabiam que eles estavam dando o máximo deles.

- Entendo, então deixarei você realizando seu trabalho e ficarei auxiliando o Charmeleon para que o Elekid venha te ajudar.

- Agradeço muito senhor Pastor, com certeza teremos bons resultados ainda nesta noite.

        Ian e Charmeleon ficavam revezando de cômodos, levando bacias com água quente, panos limpos, infusões, remédios, ataduras, tudo que os Pokémons precisavam. Retiravam dos leitos os baldes cheio de excremento e refluxo dos doentes, os lavavam e retornavam com eles vazios e limpos. Ele, como Pastor, não via outra coisa a que fazer, mas sabia que esse trabalho auxiliaria muito a retirar o peso das costas de Eleonor, que além de ficar no escritório junto com Elekid procurando uma cura, realizava algumas incursões até a enfermaria da vila.

        A noite tornou-se densa, a hora passava e Eleonor ou Elekid sempre estavam mexendo algo, aumentando ou diminuindo a tempera dos bicos de Bunsen, tirando líquido de um balão volumétrico para outro e saindo para visitar a enfermaria. Mais um Pokémon foi trazido e um dos Pokémons que já estavam no leito, estava piorando a olhos vistos, magro e desidratado.

        Durante a madrugada os pais do garoto começaram a soluçar e chamaram todos quando o menino começou a vomitar. O líquido que saia com uma tonalidade muito forte de vermelho, e um odor pútrido, deixavam o garoto se contorcendo totalmente. Eleonor correu até o menino, injetando em sua veia um líquido rosa, deixando-o depois de alguns momentos, um pouco mais corado e estancando os regurgitamentos. A tonalidade da pele amarelada leva a crer que realmente a cobra era uma transmissora da Peste Flavescente, essa informação era uma coisa boa, o ruim era saber que isso confirmava o primeiro humano com doença.